Num país onde a BD não representa uma indústria, nem a sua prática um valor económico evidente, a existência de autores que a ela se dedicam tem sido sempre fruto da força de vontade e da inteligência e dinâmica que esta encontra para o aproveitar de oportunidades e circunstâncias.
Não temos indústria, mas temos seguramente arte. Dar conta da força e qualidade desta arte nos últimos 50 anos é o fito primeiro deste projecto.
Assinalar uma marca inicial é sempre difícil e subjectivo. Mas escolhemos partir dos anos 70, o que seguramente não é por acaso, pois não será desajustado assinalar os álbuns “Kollanville” de José Luís Duarte e — principalmente — “Wania, Escala em Orongo” de Nelson Dias e Augusto Mota como ponte de partida para o período que queremos tratar. Ou, o menos conhecido, “Pax” de Norberto Nunes e Jorge Oliveira, publicado em 1972, o mesmo ano em que a glorificação da história nacional produzia um aparente sucesso de vendas com o “Camões – sua vida aventurosa” de Carlos Alberto Santos.
Estamos a querer tratar uma BD actual, e quando dizemos actual estamos a ser literais. De 1972 queremos vir até aos nossos dias; de Wania queremos vir…. até àquela BD que ainda está a ser desenhada neste preciso momento.
Iremos passar pela inesquecível experiência da Visão, pela estimável e estimulante presença do autor Fernando Relvas em toda a imprensa escrita que soube albergar o seu talento entre os anos 70 e 90; pela geração nascida nos fanzines dos anos 80 e pela fugaz existência da LX Comics ou a ainda menos duradoura Ai-Ai e que encontrou o profissionalismo (essencialmente na ilustração) em jornais como o Independente, o Combate ou o Público.
Passaremos também pelo importante papel desempenhado por Festivais empenhados e editores entusiastas, prosseguindo até ao essencial papel duma das poucas experiências continuadas de intervenção pública na BD que foi a Bedeteca de Lisboa entre 1996 e 2001, não esquecendo a boleia que a Expo 98 deu à BD Portuguesa quando o tema dos Oceanos foi o mote para que esta fosse convidada de honra no maior Festival de BD do mundo em Angoulême 98, e a fugaz (mas produtiva) e agora retomada experiência que se lhe seguiu, a da inclusão da BD nas Bolsas de Criação Literária do Ministério da Cultura.
Chegaremos à realidade actual, onde a exportação de talentos e de obras (algo que as novas tecnologias vieram facilitar), garante uma série de autores que, a partir deste recanto à beira-mar plantado, trabalha para os grandes potentados do comic americano. Esta oportunidade encontra eco nas tentativas actuais de dinamização de uma indústria a partir de modelos mais comerciais — numa aposta, onde a internacionalização das edições não está ausente — de procurar e desenvolver um público que se adivinha existir.
A informação é hoje muito mais acessível do que há quarenta anos, mas a internet é também um mundo caótico e a informação que existe está dispersa e desestruturada. Explanar toda a realidade da BD contemporânea portuguesa, de uma forma organizada e coerente é o maior objectivo deste projecto e acreditamos que a sua organização pode ser alavanca para o desenvolvimento e valorização das obras e da dinâmica da BD nacional e ainda factor impulsionador do seu estudo e aprofundamento.